Rio, Out 2013
hoje
não almoço. como pipoca com guaraná (“quero doces”...). vou em busca de Caio,
fugindo das goteiras de ar condicionado e do bafo do metrô – aquela serpente
barulhenta e sufocante, aquele monstro que diariamente me engole e me cospe.
enfim, a casa da Alice, com seu tapete de losangos distorcidos e suas curvas
repletas de livros. quase nada de Caio. mesmo assim, pego, abro, caio; na
verdade, mergulho. num, encontro o texto mais amado, só por ele já vale levar.
leio em silêncio, escutando não a minha, mas outra voz, a que me desvirginou de
Caio sem eu saber, e já desvendou o trecho tantas vezes que já me “lavrou com
ele a alma”, e me aperta o peito e me transborda os olhos, toda vez, como se
fosse aquela primeira, de dor e de gozo. noutro, busco, folheio, estranho.
porque me busco. algum que não só me toque, mas me invada, a ponto de fazer-se
meu, ou eu, dele; a ponto de arrancar do torpor esta carne envenenada, dopada,
trôpega, que habito. vou e volto, viro as páginas, reviro, bebendo sôfrega, sem
calma, sem método. todos os textos, e nenhum, me prendem por tempo suficiente
para pensar. mas nem quero mesmo pensar. descubro o coração aos pulos,
ofegante. como que sozinha na casa da Alice, caio no poço sem fundo, me jogo.
ali ficaria para sempre. mas logo bebo do elixir das coisas ordinárias que me
trazem de volta à curva dos losangos retorcidos. CPF. digite sua senha. o ar
abafado de fora me agarra e parece fechar a porta atrás de mim. nem me viro
para olhar. sei que acabou. volto. pelo meio da rua, onde não há goteiras de ar
condicionado. o bafo do metrô quase lança os Caios no meio do trânsito. o suor
no pescoço começa a encharcar a echarpe. será que é hoje que eu caio? de novo?
inspiro o peido dos automóveis e das gentes. fujo das pombas kamikazes e suas
pestilências. expiro minha própria fumaça com hálito de fome. mas, pelo menos
tenho Caio. então, hoje não caio, não.
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